12 de abr. de 2013

Chamada de trabalhos para o 4º Encontro Transdisciplinar de História e Comunicação


4º Encontro Transdisciplinar de História e Comunicação

Paisagens da Cultura: Ambientes Midiáticos, História Social e Cidade


Tema: Paisagens Culturais: Ambientes Midiáticos, História Social e Cidade.

Datas: 23 e 24 de maio de 2013


Organizado pelo Grupo de Pesquisa Comunicação e Cultura: Barroco e Mestiçagem, do programa de pós-graduação em Comunicação e Semiótica, e o Núcleo de Estudos de História Social da Cidade (NEHSC), do programa de pós-graduação em História, ambos da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), o evento se propõe a oferecer um espaço de debate a objetos que transitem através de olhares investigativos centrados em temáticas que permeiem as paisagens culturais, ambientes midiáticos e a história social da cidade.
Em 2008, foi dado o pontapé inicial desta parceria. Proposta a temática "Cidade, Barroco e Mestiçagem", pesquisadores de ambos os grupos e áreas afins participaram do evento que marcou concomitantemente o lançamento da Revista Eletrônica de História Social da Cidade – Cordis. No ano seguinte, a problemática urbana e suas implicações agravadas, transformadas ou apenas parcialmente alteradas em sua constituição objetiva e simbólica, tornou-se o eixo de discussão do encontro, sob o título de "Séries Urbanas: conflito e memória".
Em 2011, em sua terceira edição, com a finalidade de permitir a troca de conhecimento e a disseminação do que vinha sendo estudado no campo da Comunicação e da História, decidiu-se concentrar o evento em um eixo comum que permeia tais áreas: "História Cultural e Semiótica da Cultura".
Para o ano de 2013 o Encontro terá como tema "Paisagens culturais: Ambientes Midiáticos, História Social e Cidade". Paisagem cultural no sentido de não separação entre natureza, espaço urbano e cultura, levando-se em conta que os códigos da cultura elaboram-se não só a partir de sujeitos, mas a partir de objetos híbridos, compostos por articulações entre a dimensão antropológica e as várias dimensões que não dependem especificamente dos sujeitos (fauna, flora, objetos), mas que se desenvolvem a partir de um conhecimento poético da cultura.
As cidades são os lugares onde tais paisagens se ativam, apesar e com à cena tecnocapitalista. Nesta direção, o presente Encontro tem como objetivo reunir em colóquios trabalhos que desdobrem essa região investigativa, no exercício da transdisciplinaridade e no transcurso de múltiplas linguagens que entrecruzam ambientes midiáticos e história social da cidade. Na edição do presente ano, a proposta é que os dois grupos de estudo interajam com outros dos departamentos da história e de semiótica: o centro de oralidade, coordenado pela professora Dra. Jerusa Pires Ferreira e o grupo de pesquisa processos de criação, coordenado pela professora Dra. Cecília Almeida Salles, o Núcleo de Estudos de História: Trabalho, Ideologia e Poder, coordenado pelo Prof. Dr. Antonio Rago Filho, o Núcleo de Estudos da Mulher, coordenado pela Profa. Dra. Maria Izilda Santos de Matos e o Núcleo de Estudos Culturais: Histórias, Memórias e Perspectivas do Presente, coordenado pela Profa. Dra. Maria do Rosário da Cunha Peixoto.


01. CHAMADA DE TRABALHOS
As propostas, contemplando a articulação entre os campos da semiótica da cultura e história social, podem ser enviadas aos Grupos de Trabalho abaixo relacionados, devendo ser direcionadas aos emails dos respectivos coordenadores, inicialmente no formato de resumo. Aos autores dos resumos aprovados será solicitada a entrega do artigo completo para inclusão nas revistas eletrônicas Cordis, do Núcleo de Estudos de História Social da Cidade – NEHSC - e Algazarra, do Grupo de Pesquisa Comunicação e Cultura: Barroco e Mestiçagem, de acordo com o cronograma apresentado a seguir. Serão aceitos textos redigidos em português, inglês ou espanhol.

Os resumos, relacionados à temática do evento e, em especial, aos objetivos e questões de cada Grupo de Trabalho, devem conter no máximo de 400 palavras e até o mínimo de 4 e o máximo de 6 de palavras chaves a serem submetidos até o dia 25 de abril de 2013.

02. CRONOGRAMA

Até 25/04/2013 (Envio de resumos 400 palavras).

O arquivo deve ser salvo em modo de compatibilidade e enviados ao endereço eletrônicohistoriasemiotica@gmail.com, respeitando a seguinte identificação: número do GT, seguido do sobrenome do(s) autor(es).

Exemplo: (GT 02_MORALES.doc).

Dia 07/05/13 - Divulgação do resultado da seleção dos resumos expandidos.
Envio das templates para formatação do artigo.

Dias 23 e 24/05/2013 – Evento


Dia 30/06/2013 - Entrega dos artigos completos para o e-mail historiasemiotica@gmail.com para a publicação na revista eletrônica Algazarra, do Grupo de Pesquisa Comunicação e Cultura: Barroco e Mestiçagem.

IMPORTANTE: a entrega do artigo completo, de acordo com o formato do template (disponível a partir da divulgação do resultado da seleção dos resumos), dentro do prazo estipulado no cronograma, é obrigatória para a inclusão do(s) autor (es) na revista eletrônica. É importante ressaltar que a revisão está – exclusivamente – a cargo do(s) autor (es). O corpo editorial da revista eletrônica guarda-se o direito de, eventualmente, excluir aqueles em desacordo com o resumo ou apresentação.

03. FORMATO DO RESUMO:

- Enviado em arquivo Word for Windows (modo de compatibilidade);

- Título do artigo em Caixa Alta e Negrito, fonte Times New Roman, corpo 12 e espaço simples entre linhas;

- Nome do autor, vinculação institucional e formação acadêmica;

- E-mail de contato, endereço completo de correspondência e telefone;

- Texto do resumo em Times New Roman, corpo 12 e espaço 1,5 entre linhas.

Estrutura sugerida: Introdução/ Objetivos e justificativas/ Fundamentação teórica e procedimentos metodológicos/ Principais resultados obtidos e/ou esperados.

04. GRUPOS DE TRABALHO
A submissão dos trabalhos convocados está compreendida na abordagem de três grupos. São eles: 
GT01 – Paisagens culturais: oralidade, práticas narrativas, história. 
GT-02 – Paisagens culturais: processos de criação, mestiçagens, cidade e 
GT03 – Paisagens culturais: tradução, ambientes midiáticos, imaginários. 

O objetivo desta proposta não é normatizar uma temática, estancá-la na adequação das pesquisas. Pelo contrário, trata-se aqui de considerar o enfoque dos GT's como fio condutor a fim de direcionar os recortes e a escolha dos processos investigativos para otimizar a exposição das pesquisas. Para tanto, segue as ementas dos Grupos de Trabalho:

GT 01: PAISAGENS CULTURAIS: ORALIDADE, PRÁTICAS NARRATIVAS, HISTÓRIA.

Ementa: Este GT apresenta pesquisas relacionadas à oralidade, práticas narrativas e história; categorias móveis que se articulam para a construção dos relatos trazem a possibilidade de ampliação do saber histórico, das áreas de investigação, a descoberta de novas abordagens e metodologias do conhecimento, como também no que tange à semiótica da cultura. As paisagens culturais se compõem pela articulação entre as variadas linguagens, temporalidades e espacialidades do ambiente. A partir disso, entende-se tal paisagem como lugar de encontro e diálogo de diferentes "formas de contar" que, de modo colaborativo, constituem horizontes provisórios de conhecimento.

GT 02: PAISAGENS CULTURAIS: PROCESSOS DE CRIAÇÃO, MESTIÇAGENS, CIDADE

Ementa: Este GT acolhe produções que mostrem processos de criação, construção cultural e mestiçagem nas diversas linguagens que se relacionam à paisagem cultural da cidade. Obras artísticas, festas populares, escritos literários, grafites anônimos, estéticas arquitetônicas, feiras livres e mesmo o traçados de ruas e calçadas contribuem, com suas especificidades para a tessitura urbana e para a história das cidades, desde seus códigos microestruturais, passando pelo cotidiano até os aspectos políticos, ideológicos e econômicos mais gerais.

GT 03: PAISAGENS CULTURAIS: TRADUÇÃO, AMBIENTES MIDIÁTICOS, IMAGINÁRIOS

Ementa: Este GT reúne trabalhos que abordem o movimento tradutório dos textos e das narrativas na paisagem cultural, desdobrando as conexões entre história, imaginário, representações, por meio de ambientes midiáticos e das traduções em objetos de cultura: suas passagens e transformações nas mídias, nas coletividades, nas práticas, nos ambientes do cotidiano, tendo em conta que a paisagem cultural se dá na trama histórica das coisas e das linguagens, um entremeio de natureza e cultura.

05. APROVAÇÃO E DIVULGAÇÃO DOS PARTICIPANTES

O Comitê Científico, relacionado no item 07 deste projeto, se encarregará de verificar a adequação dos resumos expandidos propostos a participação do 4º. Encontro Transdisciplinar de História e Comunicação. Para tanto, pretende se reunir em um coletivo para não só definir a lista de participantes, mas também encaminhar tal divulgação segundo definição do cronograma.

06. COMITÊ CIENTÍFICO E EQUIPE TÉCNICA:

Prof. Dr. Amálio Pinheiro, Profa. Dra. Yvone Dias Avelino, Silvia Regina de Jesus, Jurema Mascarenhas Dias, Orlando Garcia, Mila Goudet e Luís Pereira.

Notas ao redor de "Vete de mi", de Amálio Pinheiro


NOTAS AO REDOR DE “VETE DE MÍ”
de Amálio Pinheiro

Este texto foi apresentado na JORNADA INTERNACIONAL AMÉRICA LATINA: CONCEITOS E EXPERIÊNCIAS, em março de 2013, no Memorial da América Latina.

Tu,
que llenas todo de alegría y juventud,
y ves fantasmas en las noches de trasluz
y oyes el canto perfumado del azul:
Vete de mí!

No te detengas a mirar las ramas viejas del rosal
que se marchitan sin dar flor;
mira el paisaje del amor
que es la razón para soñar y amar...

Yo,
Que ya he luchado contra toda la maldad,
tengo las manos tan desechas de apretar
que ni te puedo sujetar:
Vete de mí!

Seré en tu vida lo mejor de la neblina del ayer
cuando me llegues a olvidar;
cómo es mejor el verso aquel
que no podemos recordar.
                          
ALGO SOBRE HOMERO
O fato de dois importantes nomes do tango (os irmãos Virgilio e Homero Expósito) comporem um bolero não poderia deixar de provocar marcantes conseqüências poético-musicais: a letra muito bem elaborada favorece a inclusão do clima sentimental dos arrabaldes portenhos nas variações vocais dos intépretes do bolero em toda a América Latina e Península Ibérica. Ampliam-se assim as mestiçagens cigano-árabes do âmbito andaluz com as afro-caribenhas (expandidas ao México e toda a América luso-hispânica, aqui inclusas as traduções e interpretações brasileiras) e aquelas do crisol formador do tango. Falando deste último, Sábato (1999: 15) dá umas pistas: “Es baile híbrido de gente híbrida: tiene algo de habanera traída por los marineros, restos de milonga y luego mucho de música italiana. Todo entreverado, como los músicos que lo inventan: criollos como Ponzio y gringos como Zambonini”.  Salas (1999: 311-312) resume a contribuição de Homero à história do tango, presente também em “Vete de mí”:

                 
                        Si Cátulo Castillo fue el autor de la nostalgia, Homero Expósito es el
                        cronista del presente. Inclinado hacia la metáfora desde sus primeras
                        composiciones, recibió algunas andanadas de quienes se aferraban al
                        viejo estilo directo de las antiguas letras (...) Pero debieron acostumbrarse.
                        La formación universitaria de Expósito lo había puesto en contacto con
                        las vanguardias poéticas y no quería desaprovechar la posibilidad de
                        enriquecer sus versos mediante metáforas de cuño estrictamente literario
                        (...) además agrega a su obra um manejo de las rimas internas para
                        enfatizar la intención de la frase, sólo utilizadas en igual sentido por Cátulo
                        Castillo.

Este excesso dos cruzamentos e dobraduras entre rimas internas de todos os tipos e aquelas dos finais de verso, que acelera a orquestração e as modulações do cantado, está presente, entre tantos outros casos, por exemplo, conforme indica Salas (1999: 315), no famoso “Afiches” (com música de Atilio Stampone):

                        Cruel en el cartel,
                        la propaganda manda cruel en el cartel,
                        y en el fetiche de un afiche de papel
                        se vende la ilusión,
                        se rifa el corazón...

É útil reparar aí, de passagem, num procedimento largamente usado no “Vete de mí”: não apenas as rimas finais, mas a maioria das internas coincidem com os acentos do verso, amplificando os ritmos e compactando os metros e as estrofes. Cada cantor se aproveitará mais ou melhor de tais expedientes de poema.
Sierra (1992) situa Homero Expósito entre duas tendências (reativadas no nosso bolero) dessa poética do tango
                        Y por esa búsqueda de una versificación más literariamente depurada,
                        transitaron consagratoriamente José González Castillo, Enrique Cadícamo,
                        Francisco García Jiménez, Héctor Pedro Bloomberg, Cátulo Castillo,
                        Homero Manzi  y José María Contursi. Y ese proceso de superación
                        poética del tango, a nuestro juicio culmina con Homero Expósito. El más
                        original, el más importante y el más representativo de los poetas del tango,
                        a partir de la brillante generación del cuarenta. Y para siempre.
                        Orientó Homero Expósito su inventiva literária consagrada a la canción
                        popular en la confluencia de dos actitudes poéticas temperamentalmente
                        opuestas, pero igualmente admirables: el romanticismo nostálgico y
                        evocativo de Homero Manzi, y el grotesco dramatismo sarcástico de
                        Enrique Santos Discépolo. De tan sutil combinación estilística y temática
                        sin propornérselo, logró Expósito definir una novedosa y originalísima
                        modalidad de interpretación para la letra del tango.
         
O POEMA A SER CANTADO

“Vete de mí” desdobra fortes paralelismos entre a primeira e terceira estrofes e entre a segunda e a quarta. Isso torna ainda mais intensas e operativas as irregularidades, jamais gratuitas; o dessemelhante reage no semelhante, engastando os fatores rítmicos do verso (Tinianov, 1975) nos da canção. Na terceira estrofe, o terceiro verso (“que ni te puedo sujetar:”) é octossilábico, enquanto na primeira (“y oyes el canto perfumado del azul:”) segue a trilha crescente de alexandrinos completos, com acentos na quarta, oitava e décima segunda sílabas. Na quarta e última estrofe, o quarto e último verso (“que no podemos recordar.”) prolonga a fieira de octossílabos dominantes, enquanto na segunda, ao fim da metade do poema-bolero, se derrama num decassílabo perfeito, com acentos na quarta, oitava e décima sílabas, para escandir uma frase melodramática de plantão (”o romantismo nostálgico e evocativo” acima mencionado), quase parecendo ser trazida de um pregão popular (que carrega sempre a força de um estribilho coletivo) : “que es la razón para soñar y amar...” Ressalte-se que os acentos na quarta sílaba, predominantes tanto dentro dos octossílabos, decassílabos e alexandrinos, em leque, como no verso “Vete de mí”, que finaliza a primeira e terceira estrofes, num crescendo vocálico fulgurante até o cume da última sílaba tônica oxítona,  funcionam com uma espécie de célula rítmica básica de todo o poema-bolero. Certos intérpretes, como Bola de Nieve, acentuam especialmente essa marchetaria melismática extensiva. Mas esse encaixe de vozerio corriqueiro de bairro na memória do metro clássico lhe confere especial valor e merece uma pequena digressão.


PARÊNTESE NECESSÁRIO        


A farta inclusão de material externo, anônimo e coletivo, como pregões e estribilhos, é muito importante para a compreensão de inúmeros poetas da América Latina, que inserem os movimentos e as séries urbanas nos ritmos e na composição dos poemas. Ángel Augier (1983: 39) examina o procedimento, por exemplo, no chamado “poema-son” de Nicolás Guillén, em que a complexidade da versificação traz embutida, como em arabesco, a fala cotidiana dos amores e das ruas:

                 Las estrofas – de nueve y diez versos alternativamente – combinan octosílabos
                 con quebrados de distintas medidas, algunos de éstos constituidos por
                 expresiones típicas del son popular: “mi flor”, “caramba”, “mi bien”,
                 intercalados como contraste entre versos que aúnan belleza formal y la fuerza
                 de la justa cólera que inspira “saber que el verdugo existe”.

Muito importante será sempre a sabedoria sintático-metonímica do poeta para, a partir da malha de linguagens da cultura (danças populares, o bongô,  pregões, estribilhos, recortes coloquiais, fonemas negróides, verso clássico, barroco ibérico) reinventar a multiplicidade de variantes num poema, o “poema-son”. A periferia já estava no centro. Chamar, meramente, a essa acomodação sísmica de alteridades divergente-inclusivas, pelo epíteto evolutivo-epocal “moderno”, em oposição ao mais ou menos “pré-moderno” ou mais atrasado, significa submeter os acontecimentos do continente a uma lógica iluminista.

Cabe sob medida aqui, quanto à tendência de inseminar as vozes coloquiais e marginais no poema, o destaque de Lezama Lima, no seu “Nacimiento de la expresión criolla” (1988: 265-266), ao que denomina “poeta malo necesario” ou “poeta malo imprescindible”:

                  Pero hay el poeta malo de buen dejo, que viene en la descendencia de la  
                  juglaría, cuando la poesía hizo su refino florentino, su acopio de fábulas
                  galantes, que tiene su alegría en su cohete burlador, cuya raíz está en una
                  zona donde no corre la literatura, pero que hace de la poesía una moneda de
                  relieve apagado, pero de sanguínea flor de feria. Es la poesía que prescinde de
                  la literatura, pero que se suelta como un amuleto alegre. Convence
                  prontamente que da un toque acompasado que la vida necesita. Se extiende en
                  la hoja del cuchillo, rodeado de guirnaldetas y com letras voladas dice: “Soy
                  tu amor”. En el pregón de los dulceros viejos: “Alcorza, alcorza, / el que
                  no come no goza”. En los estribillos de los negros en su Día de Reyes:
                 “Petrona e mi peso, / si tú no me lo dás / te arranco e pescuezo”. En los
                  carritos madrugadores, que llevan como si fuera un tatuaje: “Sigo el destino;
                  yo voy y vengo, a nadie envidia le tengo” (...) Nacieron para quedarse, pues
                  tienen del mineral, de la costumbre y del milagro. Tienen algo del silencioso      
                  redoble de la muerte en el día en que nos morimos. Pero mientras tanto nos
                  miran con ojos saltones y nos demandan.

Combinam-se, no nosso tango-bolero, a tradição concentrada dos poetas do tango e a exposição descentrada das tradições em trânsito nas margens e subúrbios. Não por acaso Jerusa Ferreira o inclui, de modo marcante, na sua “Cultura das Bordas” (2010: 17):

                  Em 2006, reencontro “Vete de mí”, um bolero composto pelos famosos irmãos
                  Virgilio e Homero Expósito, filhos de anarquista migrante catalão e
                  pertencentes ao universo tangueiro, de Buenos Aires, inseridos numa espécie de
                  outra tradição cultural do Continente. Ora, aí estão as imagens do arrabalde e
                  da boêmia portenha, de uma boêmia sem limites certos, no que se refere à
                  classe social.

O POEMA A SER CANTADO

Os pronomes “Tu” e “Yo”, constitutivos do diálogo lírico-dramático, merecem um verso próprio: a boca se enche de um silêncio ativo depois de pronunciá-los, tensão que prepara a série, de perder o fôlego, dos três alexandrinos da primeira estrofe, e dos dois alexandrinos, mais um octossílabo, na terceira. Quando tratamos a canção como poema escrito, não há verso, nem rima em fim de verso, nem contagem métrica, nem estrofe, sem a presença do rumoroso silêncio em branco da página. Todo tradutor ou intérprete-cantor deve aí perceber o óbvio: que a forma é significante. A condição temporal do canto não pode deixar de ser marcada no espaço em branco da página do poema, que represa e imanta o sentido, em aceleração barroquizante, do que virá dito nos mencionados dodecassílabos seguintes e resplenderá melodramaticamente, depois de novo silêncio ativo, no arranque do quadrissílabo que decide a estrofe. O canto pode exponenciar o verso: não é por acaso que, por exemplo, Bebo & Cigala, ao modo flamenco, Dalva de Oliveira, ao modo de samba-canção (ou sambolero?) e o próprio autor da música, Virgilio Expósito, quando a cantam, realçam o pico desse “mí” lancinante. Visualizemos outra vez o formato da primeira e terceira estrofes.

Tu,
que llenas todo de alegría y juventud,
y ves fantasmas en la noche de trasluz
y oyes el canto perfumado del azul:
Vete de mí!

Yo,
que ya he luchado contra toda la maldad,
tengo las manos tan desechas de apretar
que ni te puedo sujetar:
Vete de mí!

ALGO DA MARCHETARIA

As inflexões entre tangobolero e bolerotango dilatam o mapa de interações em duas direções concomitantes, que se enxertam, em arabesco, uma na outra. As mútuas inclusões entre o repertório melodramático dos lupanares e arrabaldes e as inovações poéticas (lexicais, gráficas, sonoras, visuais etc) dos anos 40 se tecem ao movimento ampliativo das estruturas formais, desde o primeiro verso da primeira estrofe ao último da última, passando, progressivo-regressivamente, por todas essas oxítonas intensamente agudas e extensamente prolongáveis, no ápice dos versos, numa espécie de acupuntura barroca. Desse modo, aquilo que pertence ao ambiente da cultura (séries coloquiais, oralidades cotidianas, frases feitas, provérbios, sensualidades de bairro...) entra (se encadeia) nos fatores rítmico-construtivos (Tinianov, 1975) do verso (rimas, aliterações, paronomásias, metrificação, orquestração...). E vice-versa, num conjunto móvel interno/externo. Por isso, por exemplo, não se pode separar (ou deixar de perceber) a relação, no verso dodecassílabo “que ya he luchado contra toda la maldad”, na terceira estrofe, entre um sentimento de pessimismo ressentido acumulado na memória dos bairros portenhos e as rimas toantes na segunda, quarta e décima segunda sílabas. Outras relações se colocam, conforme cada caso, em todos os demais versos.

 Está aí dada uma enorme tarefa de tradução. Esta deve dar conta de como, na América Latina, as interações (corpocultura, internoexterno, palavracoisa) são anteriores aos dualismos, a saber, anteriores ao estabelecimento de uma invariante de que as infinitas variantes dependeriam. As traduções, contra a recuperação essencializante das origens, são um roteiro diferenciante do que, múltiplo, varia a partir de novas coordenadas espaciais e temporais, incluídas virtualmente no texto de partida e reatualizadas a cada interpretação.

DALVA E LOURIVAL
  
Foge de mim
 versão: Lourival Faissal
Tu, que envolves tudo em alegria juvenil
E vês na Lua mil figuras desiguais
E ouves canções emoldurando o céu de anil
Foge de mim!
Não te detenhas a olhar os ramos velhos do rosal
Que vão murchando sem dar flor,
Olha a paisagem do amor
Que é razão para sonhar e amar...
Eu, que lutei tanto contra a inveja e maldição
Sinto essas mãos enfraquecidas a sangrar
Que já não podem te apertar
Foge de mim!
Serei o que houve de melhor
Doce lembrança em teu viver
Quando puderes me esquecer
Como o poema que é melhor
E não podemos recordar.

Algumas invenções devem ser aqui realçadas. Faissal substitui o clima sentimental escuro das oxítonas castelhanas em “u” (“juventud”/”trasluz”/”azul”) pela brilho solar saltitante das rimas com base na letra “i”: “juvenil”/ “desiguais”/ “céu de anil”. Se perde a rima toante no segundo verso (“desiguais”), recupera-a esplendorosamente, aproveitando a garganta de Dalva, no “Foge de mim!”. A tradução é uma arte da compensação, tendo-se em vista os movimentos entre a língua e a cultura em cada situação de espaço e tempo. O bandoneón é mais para vogais sombrias, a flauta para as abertas (não por acaso, no tango, o bandoneón terminou por se impor sobre a flauta).
“Foge de mim!” é um achado. Esse “ó” aberto solar e escorregadio modula e glosa, em certa medida, a entrecortada e cortante catadupa de vogais “e” fechadas em “Vete de mí!”. Ademais, parece ser uma citação pertinente do nosso chorinho “Carinhoso” de Pixinguinha: “Meu coração, / não sei por quê, / bate feliz, / quando te vê... (...) e os meus olhos ficam sorrindo / e pelas ruas vão te seguindo, / mas mesmo assim / foges de mim...”. Ao mesmo tempo, expressões populares tais como “não foge de mim” ou “você está fugindo de mim” são uma espécie de frase feita funcionando como estribilho coletivo das relações amorosas: por isso não interessa se Faissal embutiu o verso de Pixinguinha voluntariamente ou não.

UMA POSSÍVEL TRADUÇÃO

SOME DE MIM
Versão: Amálio Pinheiro
Tu,
que sabes tudo de alegria e juventude
e ves fantasmas pelas noites contra a luz
e ouves o canto perfumado desse azul:
Some de mim!

Não te detenhas para olhar os velhos ramos do rosal
que vão murchando sem dar flor;
veja a paisagem desse amor,
nossa razão para sonhar e amar...

Eu,
que travei lutas cara a cara com a maldade,
trago meus braços tão cansados de apertar
que nem te posso segurar:
Some de mim!

Serei em tua vida como o sol solto na névoa do que foi
quando me venhas a esquecer;
pois o poema que é melhor
nós não podemos refazer.



REFERÊNCIAS

Sábato, Ernesto. “Tango. Canción de Buenos Aires”. In: Horacio Salas. El tango. Buenos Aires: Planeta, 1999.
Salas, Horacio. “El tango”. Buenos Aires: Planeta, 1999.
Sierra, Luís Adolfo. “Homero Expósito”. “Tango y Lunfardo”, nº 74, Chivilcoy, 12 de maio de 1992.
Tinianov, Iuri. “O problema da linguagem poética I. O ritmo como elemento construtivo do verso”. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1975.
Augier, Angel. “Los sones de Nicolás Guillén”. In: Nicolás Guillén: el libro de los sones. Havana: Letras Cubanas, 1993.
Lezama Lima, José. “Nacimiento de la expresión criolla”. In: Confluencias. Havana: Letras Cubanas, 1988.
Ferreira, Jerusa Pires. “Cultura das bordas”. São Paulo: Ateliê, 2010.