Saiu na revista da Fapesp... literatura cutuca a razão científica!
Balzac mostra através da literatura como a alquimia ainda resistiu por muito tempo à razão científica moderna.
E a descoberta é de pesquisadoras brasileiras.
Em “O alkahest ou a busca do absoluto”, de A comédia humana, Balzac narra a trágica obsessão de Balthazar Claës, discípulo de Lavoisier, enfurnado em seu laboratório para descobrir o processo de transmutação do carbono em diamantes puros, para tanto abandonando a família e dilapidando sua fortuna em produtos químicos. A história traz uma curiosa “incoerência” ao mostrar um seguidor do pai da química moderna, um digno representante da ciência racionalista, maculando sua reputação em nebulosos saberes medievais, nitidamente alquímicos. Sem querer, Balzac, por meio da ficção, cutucou um nervo ainda hoje sensível para a história da ciência: o saber alquímico e a tradição hermética não foram eliminados tão facilmente pela revolução científica, mas conviveram por longos séculos, de formas diversas e em diferentes níveis.
Matéria completa: http://www.revistapesquisa.fapesp.br/index.php?art=3704&bd=1&pg=1
16 de dez. de 2008
20 de nov. de 2008
Giuseppe Cocco na Folha
TENDÊNCIAS/DEBATES
(/Folha de S.Paulo/, 20/11/2008, p. 3, em
http://www1.folha.uol.com.br/fsp/opiniao/fz2011200809.htm
Devir-Brasil
GIUSEPPE COCCO
A RELAÇÃO entre o Brasil e o mundo é uma velha história.
Ela diz respeito à própria constituição da economia-mundopela
colonização européia do novo mundo. Contudo, há uma dimensão
mundial do Brasil moderno que concerne a um de seus mitos
fundadores: seu ser o país do futuro.
Paradoxalmente, nas últimas duas décadas, houve uma
surpreendente reviravolta: a "brasilianização" do mundo passou a
significar, do ponto de vista dos países centrais, um retrocesso
generalizado. Do ponto de vista do Brasil, o futuro passou a ser
o próprio Brasil, ou seja, a reiteração globalizada dos
fenômenos de desigualdade econômica, fragmentação social,
segregação espacial e violência que sempre marcaram a
modernização brasileira.
Ora, o duplo pesadelo da brasilianização do mundo só se sustenta
pela separação rígida e hierárquica dos pontos de vista. Na
realidade, a globalização se caracteriza pela hibridização de
centro e periferia, de "progresso" e "atraso", de "inclusão" e
"exclusão". O que está no cerne da nova clivagem é a relação com
o "outro".
A globalização é atravessada por uma alternativa radical: ela
diz respeito a suas dimensões temporais.
De um lado, ela se apresenta como novo despotismo de um mundo
reduzido a um único e inevitável futuro.
Futuro que pode coincidir com a catástrofe anunciada: a
brasilianização.
Seu tempo é unívoco e linear: o "progresso", que modula uma
série infinita de fragmentos sociais e espaciais nas
representações abstratas do mercado. Aqui, a relação com o
outro, humano (cultura) ou não-humano (natureza), é de
dominação: pela destruição ou pela homogeneização.
Por outro lado, a globalização abre-se à multiplicidade dos
mundos possíveis. Sua temporalidade é aquela aberta do devir.
Aqui, a flexibilidade social e econômica é manifestação de uma
plasticidade cuja dinâmica se alimenta da hibridização
incessante para dentro e para fora, além do dentro e do fora. A
relação com o outro é antropófaga, bem nos termos da proposta
revolucionária de Oswald de Andrade e de sua renovação pela
antropologia de Viveiros de Castro: absorver o outro e, nesse
processo, alterar-se, devir.
Sabemos que o Brasil constitui um enigma para os estudos
"mainstream", mas também para os estudos pós-coloniais e os da
"colonialidade" do poder. Isso porque o Brasil é, desde logo,
pós-colonial, metrópole na colônia. Um poder monstruoso que,
desde o início da colonização, se articula por dentro dos fluxos
da hibridização, ao passo que a própria hibridização constituiu
o terreno privilegiado de enfrentamento e constituição.
Paradoxalmente, portanto, o Brasil se constituiu originariamente
numa das maiores experiências coloniais e escravagistas sem, com
isso, se encaixar no que os estudos pós-coloniais definem como o
paradigma da segregação. O "caldeamento" brasileiro se apresenta
como uma potência monstruosa de diferenciação e constituição da
liberdade. Mas isso não dissipa o pesadelo da "brasilianização".
Como ativar o devir? De que "mundo" estamos falando?
Paulo Arantes lembra que Mario de Andrade costumava dizer que o
"luxo de antagonismos" da mestiçagem enaltecida por Freyre e
Oswald escondia na realidade uma "imundície de contrastes". Ora,
na troca de trocas de pontos de vista, a relação entre lixo e
luxo, subdesenvolvimento e desenvolvimento, pobreza e riqueza
pode ser não-dialética.
Ou seja, se na "imundicie de contrastes" temos o im-mundo do
poder sobre a vida (biopoder), da pobreza e do racismo, é nesse
mesmo "lixo" da hibridização que há a potência da vida
(biopolítica), da significação e, pois, a riqueza do pobre.
Estamos diante daquela mesma alternativa radical: entre a
globalização como perda-de-mundo (im-mundo do mercado dos
fragmentos, da crise dos valores e de suas "Bolsas") e a
produção ilimitada de novos valores, criação do mundo.
Por trás do estigma da brasilianização, temos um devir-Brasil do
mundo e um devir-mundo do Brasil: é Lula, presidente retirante e
operário que abre o caminho a Obama, presidente "vira-lata" que
nunca resolve de maneira identitária a ambivalência de seu
devir-mestiço. Mas esse plano é também o da ação afirmativa
(política de cotas), da qual participou Obama, que deve
consolidar-se no Brasil como terreno constituinte do arco-íris
da mestiçagem.
É nessa multiplicidade dos pobres -indígenas, favelados e negros
no Brasil; hispânicos, imigrantes e negros nos Estados Unidos-
que a libertação aparece como um começo: devir-Brasil do mundo e
devir-mundo do Brasil.
------------------------------------------------------------------------
GIUSEPPE COCCO , 52, cientista político, doutor em história
social pela Universidade de Paris, é professor titular da
Universidade Federal do Rio de Janeiro. Entre outras obras,
escreveu, com Antonio Negri, o livro "Glob(AL): Biopoder e Luta
em uma América Latina Globalizada".
(/Folha de S.Paulo/, 20/11/2008, p. 3, em
http://www1.folha.uol.com.br/fsp/opiniao/fz2011200809.htm
Devir-Brasil
GIUSEPPE COCCO
A RELAÇÃO entre o Brasil e o mundo é uma velha história.
Ela diz respeito à própria constituição da economia-mundopela
colonização européia do novo mundo. Contudo, há uma dimensão
mundial do Brasil moderno que concerne a um de seus mitos
fundadores: seu ser o país do futuro.
Paradoxalmente, nas últimas duas décadas, houve uma
surpreendente reviravolta: a "brasilianização" do mundo passou a
significar, do ponto de vista dos países centrais, um retrocesso
generalizado. Do ponto de vista do Brasil, o futuro passou a ser
o próprio Brasil, ou seja, a reiteração globalizada dos
fenômenos de desigualdade econômica, fragmentação social,
segregação espacial e violência que sempre marcaram a
modernização brasileira.
Ora, o duplo pesadelo da brasilianização do mundo só se sustenta
pela separação rígida e hierárquica dos pontos de vista. Na
realidade, a globalização se caracteriza pela hibridização de
centro e periferia, de "progresso" e "atraso", de "inclusão" e
"exclusão". O que está no cerne da nova clivagem é a relação com
o "outro".
A globalização é atravessada por uma alternativa radical: ela
diz respeito a suas dimensões temporais.
De um lado, ela se apresenta como novo despotismo de um mundo
reduzido a um único e inevitável futuro.
Futuro que pode coincidir com a catástrofe anunciada: a
brasilianização.
Seu tempo é unívoco e linear: o "progresso", que modula uma
série infinita de fragmentos sociais e espaciais nas
representações abstratas do mercado. Aqui, a relação com o
outro, humano (cultura) ou não-humano (natureza), é de
dominação: pela destruição ou pela homogeneização.
Por outro lado, a globalização abre-se à multiplicidade dos
mundos possíveis. Sua temporalidade é aquela aberta do devir.
Aqui, a flexibilidade social e econômica é manifestação de uma
plasticidade cuja dinâmica se alimenta da hibridização
incessante para dentro e para fora, além do dentro e do fora. A
relação com o outro é antropófaga, bem nos termos da proposta
revolucionária de Oswald de Andrade e de sua renovação pela
antropologia de Viveiros de Castro: absorver o outro e, nesse
processo, alterar-se, devir.
Sabemos que o Brasil constitui um enigma para os estudos
"mainstream", mas também para os estudos pós-coloniais e os da
"colonialidade" do poder. Isso porque o Brasil é, desde logo,
pós-colonial, metrópole na colônia. Um poder monstruoso que,
desde o início da colonização, se articula por dentro dos fluxos
da hibridização, ao passo que a própria hibridização constituiu
o terreno privilegiado de enfrentamento e constituição.
Paradoxalmente, portanto, o Brasil se constituiu originariamente
numa das maiores experiências coloniais e escravagistas sem, com
isso, se encaixar no que os estudos pós-coloniais definem como o
paradigma da segregação. O "caldeamento" brasileiro se apresenta
como uma potência monstruosa de diferenciação e constituição da
liberdade. Mas isso não dissipa o pesadelo da "brasilianização".
Como ativar o devir? De que "mundo" estamos falando?
Paulo Arantes lembra que Mario de Andrade costumava dizer que o
"luxo de antagonismos" da mestiçagem enaltecida por Freyre e
Oswald escondia na realidade uma "imundície de contrastes". Ora,
na troca de trocas de pontos de vista, a relação entre lixo e
luxo, subdesenvolvimento e desenvolvimento, pobreza e riqueza
pode ser não-dialética.
Ou seja, se na "imundicie de contrastes" temos o im-mundo do
poder sobre a vida (biopoder), da pobreza e do racismo, é nesse
mesmo "lixo" da hibridização que há a potência da vida
(biopolítica), da significação e, pois, a riqueza do pobre.
Estamos diante daquela mesma alternativa radical: entre a
globalização como perda-de-mundo (im-mundo do mercado dos
fragmentos, da crise dos valores e de suas "Bolsas") e a
produção ilimitada de novos valores, criação do mundo.
Por trás do estigma da brasilianização, temos um devir-Brasil do
mundo e um devir-mundo do Brasil: é Lula, presidente retirante e
operário que abre o caminho a Obama, presidente "vira-lata" que
nunca resolve de maneira identitária a ambivalência de seu
devir-mestiço. Mas esse plano é também o da ação afirmativa
(política de cotas), da qual participou Obama, que deve
consolidar-se no Brasil como terreno constituinte do arco-íris
da mestiçagem.
É nessa multiplicidade dos pobres -indígenas, favelados e negros
no Brasil; hispânicos, imigrantes e negros nos Estados Unidos-
que a libertação aparece como um começo: devir-Brasil do mundo e
devir-mundo do Brasil.
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GIUSEPPE COCCO , 52, cientista político, doutor em história
social pela Universidade de Paris, é professor titular da
Universidade Federal do Rio de Janeiro. Entre outras obras,
escreveu, com Antonio Negri, o livro "Glob(AL): Biopoder e Luta
em uma América Latina Globalizada".
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América Latina,
hibridismo,
mestiçagem
28 de ago. de 2008
25 de mai. de 2008
. Entrevista com Amálio .
Clique no link para ler entrevista com Amálio no jornal O Povo
http://www.opovo.com.br/opovo/vidaearte/787818.html
http://www.opovo.com.br/opovo/vidaearte/787818.html
24 de mai. de 2008
Entrevista do Amálio para o jornal O Povo
Vida & Arte ENTREVISTA
Mestiçagem latino-americana
O Brasil e a América Latina são resultado de uma formação cultural mestiça. É essa a principal questão para o professor do Departamento de Comunicação e Semiótica da PUC-SP, Amálio Pinheiro
10/05/2008 16:57
Amálio Pinheiro, professor da PUC, em São Paulo: "somos um vulção primitivo" (Divulgação) Em 1924, uma caravana de artistas modernistas visitou as cidades históricas mineiras sob o pretexto de fazer o poeta franco-suíço Blaise Cendrars, afeito aos primitivismos europeus da época, conhecer o Brasil. Aproveitaram para conhecer eles próprios o País do qual falavam. Entre as descobertas da viagem que marcaria artistas como Tarsila do Amaral, Mário de Andrade e Oswald de Andrade, estavam as escuturas de Antônio Francisco Lisboa, o Aleijadinho.
A Viagem de Redescoberta do Brasil foi um dos eventos que contribuiu para a guinada do movimento que deixava de ter como foco principal a polêmica estética com parnasianos e simbolistas, por exemplo, e começava a concentrar atenção nas expressões da cultura popular nacional.
O encontro entre os modernistas e as esculturas de Aleijadinho é um evento sintomático do Brasil que os modernistas concebiam para Amálio Pinheiro, professor doutor do Departamento de Comunicação e Semiótica da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, autor de Aquém da identidade e da oposição - formas na cultura mestiça. Para ele, a estética barroca está no cerne de formação cultural da América Latina e é expressão da nossa condição antropófoga. (Pedro Rocha)
O POVO - Normalmente, apontam o Movimento Modernista como o primeiro a encampar uma reflexão cultural do Brasil a partir de uma idéia de mestiçagem e numa perspectiva crítica, sem os traços idealizadores do Romantismo, por exemplo. Você concorda com essa análise?
Amálio Pinheiro - Evidentemente que o Movimento Modernista foi o primeiro movimento em conjunto que pensou essas questões, porque de modo avulso isso já vinha sendo pensado por outras pessoas, não somente no Brasil, como na América Latina, como José Martí, em Cuba, e os autores das vanguardas da América Latina, como Nicolás Guillén. Essas figuras começaram a pensar a América Latina a partir de sua base cultural que até então era desprezada. Reapareceu a importância do índio e do negro, não apenas como um revanchismo com relação ao que eles haviam sofrido - esse é um grande equívoco, o de pensar o negro e o índio como identidades sofridas. O que o Modernismo e as vanguardas fizeram foi ver no negro e no índio uma grande contribuição na cultura mestiça e um modo de articulação das diferentes culturas que vieram pra cá, dessa maneira superaria aquele romantismo extrínseco de exaltação folclórica. Eles viram a formação de um novo tecido, já que se trata de um texto, vindas de várias partes do mundo e que compõem a diferença da América Latina e do Brasil. Não é à toa que o Modernismo do Brasil corresponde a várias outras situações semelhantes ocorridas na Argentina, no Peru, no Chile, foi uma tomada de consciência geral da composição cultural da América Latina.
OP - Você trata a cultura com a idéia de texto. Nesse conceito, a linguagem ganha um papel fundamental, é isso?
Amálio - Toda essa contribuição mestiça só se resolve em termos de linguagem, ela não se dá em termos mentais. A única maneira de isso ser colocado à prova é através de procedimentos de construção que se dão nas várias linguagens que compõem a cultura, inclusive, porque a cultura só existe através de textos, de linguagem, não somente a literatura, que é uma mais evidente porque trabalha com a comunicação verbal, mas também vestuário, dança, culinária, artesanato, tudo isso se dá através de composições de linguagens múltiplas em que, na verdade, o brasileiro não é senão a assimilação antropofágica de tudo que veio para cá. Nesse sentido, é que essa ação construtiva indígena é extremamente importante, porque ela nos forneceu uma capacidade de incorporação do outro, criando um novo tecido.
OP - A busca de uma "identidade nacional" guiou a grande maioria dos intelectuais do modernismo. Ao mesmo tempo, em alguns casos, como os de Mário e Oswald, particularmente em Macunaíma e no Manifesto Antropófago, eles propõem uma incorporação de diversos elementos culturais, entre uma cultura popular e uma cultura erudita, numa dinâmica cultural. Qual a análise que você faz da idéia de identidade proposta por esses autores?
Amálio - A questão é a seguinte: a palavra identidade não serve mais para o que nós somos, porque não somos um ser em estado puro, nós não cabemos dentro da ontologia ocidental, já que somos um território móvel, que acumula elementos vindos de diversas partes. Dessa maneira, temos que reinventar os conceitos para designar o que seja essa tessitura que compõe o que viria a ser o Brasil. A palavra "identidade" é uma palavra que é usada, mas não serve mais, tanto que autores importantes começam a reformular esse conceito, falando em "processos identitários", como (Jesús Martín-)Barbero, e Boaventura de Sousa Santos, que fala em "inter-identidade". Mas, na verdade, não serve mais, porque é um conceito que remete a igualdade e o que há na América Latina são processos em que um e outro se mesclaram. É um processo móvel em estado de composição contínua em que aparece o inacabamento e o movimento. Tudo aquilo que se chama de contemporâneo, advindo das novas tecnologias, nós já tínhamos na cultura desde a nossa formação.
OP - No Manifesto Antropófago, Oswald vai traçando o que seria uma tendência brasileira ao outro. Essa tendência é intrínseca da nossa formação cultural?
Amálio - A cultura brasileira se constitui não por uma tendência centrípeta ao mesmo, à afirmação de origem e de raízes específicas. A cultura brasileira se afirma pela tendência a querer o outro, daí, no Manifesto, o Oswald ter dito: "só me interessa o que não é meu". Ele disse que o movimento da cultura é esse, porque todos os objetos da cultura são mestiços, ainda que haja necessidade aqui e aculá de um "movimento índio", um "movimento negro", para afirmar suas pretensas identidades numa luta. Isso tem que ser uma coisa passageira, porque o movimento é de uma incorporação do outro. Isso tá na base, não é algo que possamos nos afastar, porque isso é derivado do que (José) Lezama Lima chamava de "arribada de confluência". Quase todo o ocidente se constituiu pela oposição centro/periferia. A América Latina e o Brasil se constitui por um afluxo plural de processos civilizatórios que tiveram que resolver esta pluralidade através de tecidos em movimento, criando novas configurações lógicas, por isso na América Latina nós temos que encontrar o nosso modo de pensar, que nasce da inclusão do alheio, o que nos faz sempre nacionais e internacionais ao mesmo tempo. Não há coisa mais ridícula na América Latina do que querer ser internacional, porque nós somos internacionais de partida.
OP - No contexto das reflexões do Movimento Modernista, existia um certo entusiasmo com a industrialização do país, de São Paulo mais especificamente, apesar de não faltar também uma compreensão crítica. Hoje, 80 anos depois, o que das reflexões daquele período você ainda considera fundamental para se pensar o país?
Amálio - São fundamentais pra pensar o Brasil e não é à toa que um ou outro autor continua vendo isso. São fundamentais porque o Modernismo foi um lugar de tentativa de pensar América Latina e o Brasil a partir da noção de que nós tínhamos aqui uma configuração lógica que não cabia nos moldes do ocidente europeu. O Modernismo brasileiro, assim como as vanguardas da América Latina, de Cuba, do México, que estavam fazendo isso ao mesmo tempo, elas foram uma tentativa de entender a América Latina aquém e além do desenvolvimento do capitalismo internacional. Ou seja, de que uma sociedade para crescer tem que se desenvolver economicamente através do processo retilíneo, ao contrário, o Modernismo estava pensando numa relação entre os avanços tecnológicos do presente, mas avanços tecnológicos refeitos, reinterpretados, reciclados pelas características plurais, mestiças, da própria cultura. Qualquer nova tecnologia não deve valer instrumentalmente por ela mesma, ela só serve depois de ter passado pelo crivo da própria rede cultural. E o Manifesto Antropofágico contém justamente elementos, assim como o manifesto do José Martí, Nuestra América. É uma outra tessitura, ela precisa de uma outra interpretação, nós não podemos viver a partir das oposições alto e baixo, dentro e fora, branco e preto, isto já está cansado.
OP - Então, ainda é atual ser moderno?
Amálio - É claro que teria que haver reinterpretações, o Modernismo foi um movimento complexo, mas a base do ideário modernista tinha que ser retomada. Evidentemente que o chamado Modernismo brasileiro não podia medir as conseqüências do crescimento, agora nós já temos condições de saber, ainda que os poderes constituídos não dêem atenção pra isso, que o progresso científico e o avanço tecnológico está chegando a um impasse, na medida que a distribuição geral de bens que o progresso científico pretendia gerou, na verdade, muito mais infelicidade e problemas do que divisão equânime de bens, pra gente dizer de alguma maneira. Mas a gente tem que perceber que o Modernismo nunca pretendeu ser moderno, isso é um nome atribuído ao movimento, não é exatamente o que o movimento é. O Oswald de Andrade pensava sempre numa combinação de elementos tecnológicos e elementos primitivos, ele nunca pensava na realidade, numa evolução retilínea na direção do futuro, noção que está na base do progresso científico. Ele nunca adotou de maneira completa essa noção. Evidentemente que havia no modernismo da época um fundamento de utopia e emancipação, essa utopia e emancipação é uma discussão muito ferrenha. Eu não sabia dizer pra você agora que não devamos ter sentimento utópico e emancipatório. Muitos autores falam que perder essa noção é ficar refém do capitalismo. Então uma outra coisa que deve ser dita a respeito é o seguinte: o nome "Modernismo" para o movimento é um nome completamente falho, porque, na verdade, a América Latina nunca pode ser moderna conforme a noção de moderno cunhada pela ciência moderna. Na verdade, nós sempre fomos um vulcão primitivo com uma pequena casca de modernidade externa que veio pra cá através da internacionalização trazida pelos meios de comunicação. O que há de moderno em nós é uma capa muito fina, marqueteira, a qual adere principalmente a classe média. Não se trata de ser antigo ser moderno, se trata de que nós nunca fomos modernos e isso não é ruim.
OP - Sem entrar em uma discussão mais profunda do conceito de modernidade, ela estaria próxima de uma idéia de civilização e progresso tecnológico?
Amálio - Tem que ver principalmente com aquilo que a ciência moderna estabeleceu desde (Francis) Bacon e (René) Descartes, certos princípios de desenvolvimento científico e que chegara a sua forma mais acabada no Iluminismo. É uma idéia de desenvolvimento que o Iluminismo levou às últimas conseqüências e que foi consolidada nas formas urbanas sócio-políticas das grandes cidades centro-européias. É a classe média que adere de maneira subserviente e passiva às seduções do consumo elaboradas pelo capitalismo internacional, inclua-se aí modos de convivência, em geral, modos de vestir, modos de convivência com a mídia etc. Mas não é isso que o Brasil é. A América Latina é aquele turbilhão mestiço. A verdade é o seguinte: a América Latina tem por um lado esse turbilhão barroco mestiço, de outro ela sofreu três invasões muito problemáticas e que são invasões que até agora atuam na cabeça do brasileiro e do latino-americano. Sofreu uma invasão clássica, aquela formulada pelas ciências clássicas; sofreu uma invasão clerical-eclesiástica, que tem que ver com formas de ensino e conhecimento elaboradas na Idade Média pelo mundo católico; e desde o começo de 1900 sofreu essa nova invasão tecno-capitalista ou publicitário-capitalista. Essas três invasões combinadas - algumas pessoas estão mais próximas de uma ou de outra - tornam, às vezes, difícil da gente conseguir ver o que é o Brasil e a América Latina ou aproveitando-se e devorando isso também. Às vezes, elas são transformadas, assimiladas. Outras, são postiças. O Gilberto Freyre dizia que havia elemento rotarianos na cultura brasileira. Esse civilismo bem comportado, ou seja, a adesão às formas de atualidade neo-liberal as quais a classe média adere com facilidade. É algo parecido ao analfabeto secundário, ele aprendeu a ler e escrever, mas é um analfabeto do sistema.
CONTEÚDO EXTRA
Leia a entrevista na íntegra no www.opovo.com.br/conteudoextra
Mestiçagem latino-americana
O Brasil e a América Latina são resultado de uma formação cultural mestiça. É essa a principal questão para o professor do Departamento de Comunicação e Semiótica da PUC-SP, Amálio Pinheiro
10/05/2008 16:57
Amálio Pinheiro, professor da PUC, em São Paulo: "somos um vulção primitivo" (Divulgação) Em 1924, uma caravana de artistas modernistas visitou as cidades históricas mineiras sob o pretexto de fazer o poeta franco-suíço Blaise Cendrars, afeito aos primitivismos europeus da época, conhecer o Brasil. Aproveitaram para conhecer eles próprios o País do qual falavam. Entre as descobertas da viagem que marcaria artistas como Tarsila do Amaral, Mário de Andrade e Oswald de Andrade, estavam as escuturas de Antônio Francisco Lisboa, o Aleijadinho.
A Viagem de Redescoberta do Brasil foi um dos eventos que contribuiu para a guinada do movimento que deixava de ter como foco principal a polêmica estética com parnasianos e simbolistas, por exemplo, e começava a concentrar atenção nas expressões da cultura popular nacional.
O encontro entre os modernistas e as esculturas de Aleijadinho é um evento sintomático do Brasil que os modernistas concebiam para Amálio Pinheiro, professor doutor do Departamento de Comunicação e Semiótica da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, autor de Aquém da identidade e da oposição - formas na cultura mestiça. Para ele, a estética barroca está no cerne de formação cultural da América Latina e é expressão da nossa condição antropófoga. (Pedro Rocha)
O POVO - Normalmente, apontam o Movimento Modernista como o primeiro a encampar uma reflexão cultural do Brasil a partir de uma idéia de mestiçagem e numa perspectiva crítica, sem os traços idealizadores do Romantismo, por exemplo. Você concorda com essa análise?
Amálio Pinheiro - Evidentemente que o Movimento Modernista foi o primeiro movimento em conjunto que pensou essas questões, porque de modo avulso isso já vinha sendo pensado por outras pessoas, não somente no Brasil, como na América Latina, como José Martí, em Cuba, e os autores das vanguardas da América Latina, como Nicolás Guillén. Essas figuras começaram a pensar a América Latina a partir de sua base cultural que até então era desprezada. Reapareceu a importância do índio e do negro, não apenas como um revanchismo com relação ao que eles haviam sofrido - esse é um grande equívoco, o de pensar o negro e o índio como identidades sofridas. O que o Modernismo e as vanguardas fizeram foi ver no negro e no índio uma grande contribuição na cultura mestiça e um modo de articulação das diferentes culturas que vieram pra cá, dessa maneira superaria aquele romantismo extrínseco de exaltação folclórica. Eles viram a formação de um novo tecido, já que se trata de um texto, vindas de várias partes do mundo e que compõem a diferença da América Latina e do Brasil. Não é à toa que o Modernismo do Brasil corresponde a várias outras situações semelhantes ocorridas na Argentina, no Peru, no Chile, foi uma tomada de consciência geral da composição cultural da América Latina.
OP - Você trata a cultura com a idéia de texto. Nesse conceito, a linguagem ganha um papel fundamental, é isso?
Amálio - Toda essa contribuição mestiça só se resolve em termos de linguagem, ela não se dá em termos mentais. A única maneira de isso ser colocado à prova é através de procedimentos de construção que se dão nas várias linguagens que compõem a cultura, inclusive, porque a cultura só existe através de textos, de linguagem, não somente a literatura, que é uma mais evidente porque trabalha com a comunicação verbal, mas também vestuário, dança, culinária, artesanato, tudo isso se dá através de composições de linguagens múltiplas em que, na verdade, o brasileiro não é senão a assimilação antropofágica de tudo que veio para cá. Nesse sentido, é que essa ação construtiva indígena é extremamente importante, porque ela nos forneceu uma capacidade de incorporação do outro, criando um novo tecido.
OP - A busca de uma "identidade nacional" guiou a grande maioria dos intelectuais do modernismo. Ao mesmo tempo, em alguns casos, como os de Mário e Oswald, particularmente em Macunaíma e no Manifesto Antropófago, eles propõem uma incorporação de diversos elementos culturais, entre uma cultura popular e uma cultura erudita, numa dinâmica cultural. Qual a análise que você faz da idéia de identidade proposta por esses autores?
Amálio - A questão é a seguinte: a palavra identidade não serve mais para o que nós somos, porque não somos um ser em estado puro, nós não cabemos dentro da ontologia ocidental, já que somos um território móvel, que acumula elementos vindos de diversas partes. Dessa maneira, temos que reinventar os conceitos para designar o que seja essa tessitura que compõe o que viria a ser o Brasil. A palavra "identidade" é uma palavra que é usada, mas não serve mais, tanto que autores importantes começam a reformular esse conceito, falando em "processos identitários", como (Jesús Martín-)Barbero, e Boaventura de Sousa Santos, que fala em "inter-identidade". Mas, na verdade, não serve mais, porque é um conceito que remete a igualdade e o que há na América Latina são processos em que um e outro se mesclaram. É um processo móvel em estado de composição contínua em que aparece o inacabamento e o movimento. Tudo aquilo que se chama de contemporâneo, advindo das novas tecnologias, nós já tínhamos na cultura desde a nossa formação.
OP - No Manifesto Antropófago, Oswald vai traçando o que seria uma tendência brasileira ao outro. Essa tendência é intrínseca da nossa formação cultural?
Amálio - A cultura brasileira se constitui não por uma tendência centrípeta ao mesmo, à afirmação de origem e de raízes específicas. A cultura brasileira se afirma pela tendência a querer o outro, daí, no Manifesto, o Oswald ter dito: "só me interessa o que não é meu". Ele disse que o movimento da cultura é esse, porque todos os objetos da cultura são mestiços, ainda que haja necessidade aqui e aculá de um "movimento índio", um "movimento negro", para afirmar suas pretensas identidades numa luta. Isso tem que ser uma coisa passageira, porque o movimento é de uma incorporação do outro. Isso tá na base, não é algo que possamos nos afastar, porque isso é derivado do que (José) Lezama Lima chamava de "arribada de confluência". Quase todo o ocidente se constituiu pela oposição centro/periferia. A América Latina e o Brasil se constitui por um afluxo plural de processos civilizatórios que tiveram que resolver esta pluralidade através de tecidos em movimento, criando novas configurações lógicas, por isso na América Latina nós temos que encontrar o nosso modo de pensar, que nasce da inclusão do alheio, o que nos faz sempre nacionais e internacionais ao mesmo tempo. Não há coisa mais ridícula na América Latina do que querer ser internacional, porque nós somos internacionais de partida.
OP - No contexto das reflexões do Movimento Modernista, existia um certo entusiasmo com a industrialização do país, de São Paulo mais especificamente, apesar de não faltar também uma compreensão crítica. Hoje, 80 anos depois, o que das reflexões daquele período você ainda considera fundamental para se pensar o país?
Amálio - São fundamentais pra pensar o Brasil e não é à toa que um ou outro autor continua vendo isso. São fundamentais porque o Modernismo foi um lugar de tentativa de pensar América Latina e o Brasil a partir da noção de que nós tínhamos aqui uma configuração lógica que não cabia nos moldes do ocidente europeu. O Modernismo brasileiro, assim como as vanguardas da América Latina, de Cuba, do México, que estavam fazendo isso ao mesmo tempo, elas foram uma tentativa de entender a América Latina aquém e além do desenvolvimento do capitalismo internacional. Ou seja, de que uma sociedade para crescer tem que se desenvolver economicamente através do processo retilíneo, ao contrário, o Modernismo estava pensando numa relação entre os avanços tecnológicos do presente, mas avanços tecnológicos refeitos, reinterpretados, reciclados pelas características plurais, mestiças, da própria cultura. Qualquer nova tecnologia não deve valer instrumentalmente por ela mesma, ela só serve depois de ter passado pelo crivo da própria rede cultural. E o Manifesto Antropofágico contém justamente elementos, assim como o manifesto do José Martí, Nuestra América. É uma outra tessitura, ela precisa de uma outra interpretação, nós não podemos viver a partir das oposições alto e baixo, dentro e fora, branco e preto, isto já está cansado.
OP - Então, ainda é atual ser moderno?
Amálio - É claro que teria que haver reinterpretações, o Modernismo foi um movimento complexo, mas a base do ideário modernista tinha que ser retomada. Evidentemente que o chamado Modernismo brasileiro não podia medir as conseqüências do crescimento, agora nós já temos condições de saber, ainda que os poderes constituídos não dêem atenção pra isso, que o progresso científico e o avanço tecnológico está chegando a um impasse, na medida que a distribuição geral de bens que o progresso científico pretendia gerou, na verdade, muito mais infelicidade e problemas do que divisão equânime de bens, pra gente dizer de alguma maneira. Mas a gente tem que perceber que o Modernismo nunca pretendeu ser moderno, isso é um nome atribuído ao movimento, não é exatamente o que o movimento é. O Oswald de Andrade pensava sempre numa combinação de elementos tecnológicos e elementos primitivos, ele nunca pensava na realidade, numa evolução retilínea na direção do futuro, noção que está na base do progresso científico. Ele nunca adotou de maneira completa essa noção. Evidentemente que havia no modernismo da época um fundamento de utopia e emancipação, essa utopia e emancipação é uma discussão muito ferrenha. Eu não sabia dizer pra você agora que não devamos ter sentimento utópico e emancipatório. Muitos autores falam que perder essa noção é ficar refém do capitalismo. Então uma outra coisa que deve ser dita a respeito é o seguinte: o nome "Modernismo" para o movimento é um nome completamente falho, porque, na verdade, a América Latina nunca pode ser moderna conforme a noção de moderno cunhada pela ciência moderna. Na verdade, nós sempre fomos um vulcão primitivo com uma pequena casca de modernidade externa que veio pra cá através da internacionalização trazida pelos meios de comunicação. O que há de moderno em nós é uma capa muito fina, marqueteira, a qual adere principalmente a classe média. Não se trata de ser antigo ser moderno, se trata de que nós nunca fomos modernos e isso não é ruim.
OP - Sem entrar em uma discussão mais profunda do conceito de modernidade, ela estaria próxima de uma idéia de civilização e progresso tecnológico?
Amálio - Tem que ver principalmente com aquilo que a ciência moderna estabeleceu desde (Francis) Bacon e (René) Descartes, certos princípios de desenvolvimento científico e que chegara a sua forma mais acabada no Iluminismo. É uma idéia de desenvolvimento que o Iluminismo levou às últimas conseqüências e que foi consolidada nas formas urbanas sócio-políticas das grandes cidades centro-européias. É a classe média que adere de maneira subserviente e passiva às seduções do consumo elaboradas pelo capitalismo internacional, inclua-se aí modos de convivência, em geral, modos de vestir, modos de convivência com a mídia etc. Mas não é isso que o Brasil é. A América Latina é aquele turbilhão mestiço. A verdade é o seguinte: a América Latina tem por um lado esse turbilhão barroco mestiço, de outro ela sofreu três invasões muito problemáticas e que são invasões que até agora atuam na cabeça do brasileiro e do latino-americano. Sofreu uma invasão clássica, aquela formulada pelas ciências clássicas; sofreu uma invasão clerical-eclesiástica, que tem que ver com formas de ensino e conhecimento elaboradas na Idade Média pelo mundo católico; e desde o começo de 1900 sofreu essa nova invasão tecno-capitalista ou publicitário-capitalista. Essas três invasões combinadas - algumas pessoas estão mais próximas de uma ou de outra - tornam, às vezes, difícil da gente conseguir ver o que é o Brasil e a América Latina ou aproveitando-se e devorando isso também. Às vezes, elas são transformadas, assimiladas. Outras, são postiças. O Gilberto Freyre dizia que havia elemento rotarianos na cultura brasileira. Esse civilismo bem comportado, ou seja, a adesão às formas de atualidade neo-liberal as quais a classe média adere com facilidade. É algo parecido ao analfabeto secundário, ele aprendeu a ler e escrever, mas é um analfabeto do sistema.
CONTEÚDO EXTRA
Leia a entrevista na íntegra no www.opovo.com.br/conteudoextra
21 de mai. de 2008
Bar ruim é bom, Bicho!
Eu sou meio intelectual, meio de esquerda, por isso freqüento bares meio ruins.
Não sei se você sabe, mas nós, meio intelectuais, meio de esquerda, nos julgamos a vanguarda do proletariado, há mais de cento e cinqüenta anos.(Deve ter alguma coisa de errado com uma vanguarda de mais de cento e cinqüenta anos, mas tudo bem).
No bar ruim que ando freqüentando ultimamente o proletariado atende por Betão - é o garçom, que cumprimento com um tapinha nas costas, acreditando resolver aí quinhentos anos de história.
Nós, meio intelectuais, meio de esquerda, adoramos ficar "amigos" do garçom, com quem falamos sobre futebol enquanto nossos amigos não chegam para falarmos de literatura.
- Ô Betão, traz mais uma pra a gente - eu digo, com os cotovelos
apoiados na mesa bamba de lata, e me sinto parte dessa coisa linda que é o Brasil.
Nós, meio intelectuais, meio de esquerda, adoramos fazer parte dessa coisa linda que é o Brasil, por isso vamos a bares ruins, que têm mais a cara do Brasil que os bares bons, onde se serve petit gâteau e não tem frango à passarinho ou carne-de-sol com macaxeira, que são os pratos tradicionais da nossa cozinha. Se bem que nós, meio intelectuais, meio de esquerda, quando convidamos uma moça para sair pela primeira vez, atacamos mais de petit gâteau do que de frango à passarinho, porque a gente gosta do Brasil e tal, mas na hora do vamos ver uma europazinha bem que ajuda.
Nós, meio intelectuais, meio de esquerda, gostamos do Brasil, mas muito bem diagramado. Não é qualquer Brasil. Assim como não é qualquer bar ruim.
Tem que ser um bar ruim autêntico, um boteco, com mesa de lata, copo americano e, se tiver porção de carne-de-sol, uma lágrima imediatamente desponta em nossos olhos, meio de canto, meio escondida. Quando um de nós, meio intelectual, meio de esquerda, descobre um novo bar ruim que nenhum outro meio intelectual, meio de esquerda, freqüenta, não nos contemos: ligamos pra turma inteira de meio intelectuais, meio de esquerda e decretamos que aquele lá é o nosso novo bar ruim.
O problema é que aos poucos o bar ruim vai se tornando cult, vai sendo freqüentado por vários meio intelectuais, meio de esquerda e universitárias mais ou menos gostosas. Até que uma hora sai na Vejinha como ponto freqüentado por artistas, cineastas e universitários e, um belo dia, a gente chega no bar ruim e tá cheio de gente que não é nem meio intelectual nem meio de esquerda e foi lá para ver se tem mesmo artistas, cineastas e, principalmente, universitárias mais ou menos gostosas. Aí a gente diz: eu gostava disso aqui antes, quando só vinha a minha turma de meio
intelectuais, meio de esquerda, as universitárias mais ou menos gostosas e uns velhos bêbados que jogavam dominó. Porque nós, meio intelectuais, meio de esquerda, adoramos dizer que freqüentávamos o bar antes de ele ficar famoso, íamos a tal praia antes de ela encher de gente, ouvíamos a banda antes de tocar na MTV. Nós gostamos dos pobres que estavam na praia antes, uns pobres que sabem subir em coqueiro e usam sandália de couro, isso a gente acha lindo, mas a gente detesta os pobres que chegam depois, de Chevette e chinelo Rider. Esse pobre não, a gente gosta do pobre autêntico,
do Brasil autêntico. E a gente abomina a Vejinha, abomina mesmo, acima de tudo.
Os donos dos bares ruins que a gente freqüenta se dividem em dois tipos: os que entendem a gente e os que não entendem. Os que entendem percebem qual é a nossa, mantêm o bar autenticamente ruim, chamam uns primos do cunhado para tocar samba de roda toda sexta-feira, introduzem bolinho de bacalhau no cardápio e aumentam cinqüenta por cento o preço de tudo. (Eles sacam que nós, meio intelectuais, meio de esquerda, somos meio bem de vida e nos dispomos a pagar caro por aquilo que tem cara de barato). Os donos que não entendem qual é a nossa, diante da invasão, trocam as mesas de lata por umas de fórmica imitando mármore, azulejam a parede e põem um som estéreo tocando reggae. Aí eles se dão mal, porque a gente odeia isso, a gente gosta, como já disse algumas vezes, é daquela coisa autêntica, tão Brasil, tão raiz.
Não pense que é fácil ser meio intelectual, meio de esquerda em nosso país. A cada dia está mais difícil encontrar bares ruins do jeito que a gente gosta, os pobres estão todos de chinelos Rider e a Vejinha sempre alerta, pronta para encher nossos bares ruins de gente jovem e bonita e a difundir o petit gâteau pelos quatro cantos do globo. Para desespero dos meio intelectuais, meio de esquerda que, como eu, por questões ideológicas, preferem frango à passarinho e carne-de-sol com macaxeira (que é a mesma coisa que mandioca, mas é como se diz lá no Nordeste, e nós, meio intelectuais, meio de esquerda, achamos que o Nordeste é muito mais
autêntico que o Sudeste e preferimos esse termo, macaxeira, que é bem mais assim Câmara Cascudo, saca?
-Ô Betão, vê uma cachaça aqui pra mim. De Salinas, quais que tem?
Antônio Prata
Texto integrante do Volume As cem melhores crônicas brasileiras, organizado por Joaquim Ferreira dos Santos
Não sei se você sabe, mas nós, meio intelectuais, meio de esquerda, nos julgamos a vanguarda do proletariado, há mais de cento e cinqüenta anos.(Deve ter alguma coisa de errado com uma vanguarda de mais de cento e cinqüenta anos, mas tudo bem).
No bar ruim que ando freqüentando ultimamente o proletariado atende por Betão - é o garçom, que cumprimento com um tapinha nas costas, acreditando resolver aí quinhentos anos de história.
Nós, meio intelectuais, meio de esquerda, adoramos ficar "amigos" do garçom, com quem falamos sobre futebol enquanto nossos amigos não chegam para falarmos de literatura.
- Ô Betão, traz mais uma pra a gente - eu digo, com os cotovelos
apoiados na mesa bamba de lata, e me sinto parte dessa coisa linda que é o Brasil.
Nós, meio intelectuais, meio de esquerda, adoramos fazer parte dessa coisa linda que é o Brasil, por isso vamos a bares ruins, que têm mais a cara do Brasil que os bares bons, onde se serve petit gâteau e não tem frango à passarinho ou carne-de-sol com macaxeira, que são os pratos tradicionais da nossa cozinha. Se bem que nós, meio intelectuais, meio de esquerda, quando convidamos uma moça para sair pela primeira vez, atacamos mais de petit gâteau do que de frango à passarinho, porque a gente gosta do Brasil e tal, mas na hora do vamos ver uma europazinha bem que ajuda.
Nós, meio intelectuais, meio de esquerda, gostamos do Brasil, mas muito bem diagramado. Não é qualquer Brasil. Assim como não é qualquer bar ruim.
Tem que ser um bar ruim autêntico, um boteco, com mesa de lata, copo americano e, se tiver porção de carne-de-sol, uma lágrima imediatamente desponta em nossos olhos, meio de canto, meio escondida. Quando um de nós, meio intelectual, meio de esquerda, descobre um novo bar ruim que nenhum outro meio intelectual, meio de esquerda, freqüenta, não nos contemos: ligamos pra turma inteira de meio intelectuais, meio de esquerda e decretamos que aquele lá é o nosso novo bar ruim.
O problema é que aos poucos o bar ruim vai se tornando cult, vai sendo freqüentado por vários meio intelectuais, meio de esquerda e universitárias mais ou menos gostosas. Até que uma hora sai na Vejinha como ponto freqüentado por artistas, cineastas e universitários e, um belo dia, a gente chega no bar ruim e tá cheio de gente que não é nem meio intelectual nem meio de esquerda e foi lá para ver se tem mesmo artistas, cineastas e, principalmente, universitárias mais ou menos gostosas. Aí a gente diz: eu gostava disso aqui antes, quando só vinha a minha turma de meio
intelectuais, meio de esquerda, as universitárias mais ou menos gostosas e uns velhos bêbados que jogavam dominó. Porque nós, meio intelectuais, meio de esquerda, adoramos dizer que freqüentávamos o bar antes de ele ficar famoso, íamos a tal praia antes de ela encher de gente, ouvíamos a banda antes de tocar na MTV. Nós gostamos dos pobres que estavam na praia antes, uns pobres que sabem subir em coqueiro e usam sandália de couro, isso a gente acha lindo, mas a gente detesta os pobres que chegam depois, de Chevette e chinelo Rider. Esse pobre não, a gente gosta do pobre autêntico,
do Brasil autêntico. E a gente abomina a Vejinha, abomina mesmo, acima de tudo.
Os donos dos bares ruins que a gente freqüenta se dividem em dois tipos: os que entendem a gente e os que não entendem. Os que entendem percebem qual é a nossa, mantêm o bar autenticamente ruim, chamam uns primos do cunhado para tocar samba de roda toda sexta-feira, introduzem bolinho de bacalhau no cardápio e aumentam cinqüenta por cento o preço de tudo. (Eles sacam que nós, meio intelectuais, meio de esquerda, somos meio bem de vida e nos dispomos a pagar caro por aquilo que tem cara de barato). Os donos que não entendem qual é a nossa, diante da invasão, trocam as mesas de lata por umas de fórmica imitando mármore, azulejam a parede e põem um som estéreo tocando reggae. Aí eles se dão mal, porque a gente odeia isso, a gente gosta, como já disse algumas vezes, é daquela coisa autêntica, tão Brasil, tão raiz.
Não pense que é fácil ser meio intelectual, meio de esquerda em nosso país. A cada dia está mais difícil encontrar bares ruins do jeito que a gente gosta, os pobres estão todos de chinelos Rider e a Vejinha sempre alerta, pronta para encher nossos bares ruins de gente jovem e bonita e a difundir o petit gâteau pelos quatro cantos do globo. Para desespero dos meio intelectuais, meio de esquerda que, como eu, por questões ideológicas, preferem frango à passarinho e carne-de-sol com macaxeira (que é a mesma coisa que mandioca, mas é como se diz lá no Nordeste, e nós, meio intelectuais, meio de esquerda, achamos que o Nordeste é muito mais
autêntico que o Sudeste e preferimos esse termo, macaxeira, que é bem mais assim Câmara Cascudo, saca?
-Ô Betão, vê uma cachaça aqui pra mim. De Salinas, quais que tem?
Antônio Prata
Texto integrante do Volume As cem melhores crônicas brasileiras, organizado por Joaquim Ferreira dos Santos
24 de abr. de 2008
10 de fev. de 2008
. becas - españa .
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Estão abertas as inscrições para o ano acadêmico 2008-2009 do Becas MAEC, www.becasmae.es, principal programa de bolsas do governo da Espanha. São 24 opções de bolsas de pós-graduação (especialização, mestrado ou doutorado) para estrangeiros, inclusive brasileiros, que pretendem estudar no país europeu e, ainda, para espanhóis interessados em estudos no exterior. O período de candidaturas varia de acordo com a bolsa desejada. A maioria delas se encerra no dia 28 de dezembro. Mas, há opções em que as inscrições seguem até 21 de dezembro e outras até 29 de fevereiro de 2008.
Fique atento aos prazos! As inscrições para a renovação do auxílio recebido durante o ano acadêmico 2007-2009 podem ser realizadas de 11 a 29 de fevereiro de 2008.
O programa é destinado a jovens que já terminaram o curso superior e, em alguns casos, estudantes do último ano da graduação. Podem participar da seleção cidadãos estrangeiros de qualquer país, inclusive brasileiros, que sejam maiores de idade, com estudos universitários ou trajetória reconhecida em determinadas atividades que se enquadrem no programa escolhido para estudos.
Os participantes devem, de preferência, ter idade máxima de 35 anos.
Para se inscrever, o primeiro passo é procurar uma instituição de Ensino Superior da Espanha incluída entre os programas oferecidos pelo Becas MAEC e escolher o curso desejado. O interessado deve apresentar à escola o projeto de estudo que planeja desenvolver e ser pré-admitido por ela, segundo os critérios e processos de seleção de cada instituição. Somente então, o estudante poderá solicitar a bolsa, exclusivamente através do site oficial do programa.
Além de um auxílio mensal, que varia de acordo com o programa escolhido, os aprovados terão direito a alojamento, seguro médico não-farmacêutico, ajuda para a viagem e, ainda, pagamento total ou parcial das taxas escolares. As bolsas serão concedidas antes do início do verão, quando começa o ano letivo no Hemisfério Norte, ou, então, antes do início dos estudos.
Pré-requisitos
No caso de estrangeiros, ter residência oficial, habitual e continuada em seu país de origem no momento da solicitação de bolsa; Possuir passaporte válido; Não ter sido beneficiado por programa de longa duração do Becas MAEC nem da Fundação Carolina nos últimos três anos; Ter o título universitário necessário para ingresso no curso solicitado; Possuir conhecimento suficiente da língua espanhola para conseguir acompanhar o curso; Não padecer de enfermidades; Apresentar endereço eletrônico seguro (que será usado para as notificações); Ter sido pré-admitido na instituição de ensino espanhola onde pretende realizar os estudos.
Como solicitar uma bolsa
As inscrições só podem ser realizadas pela Internet, no site www.becasmae.es
As solicitações passam por pré-seleção que avaliará essencialmente o projeto de estudos e sua aplicabilidade e a motivação, os méritos acadêmicos, a experiência profissional, o currículo e as cartas de referência do candidato. As solicitações pré-selecionadas passam por uma Comissão de Avaliação que contará com a participação de conceituados especialistas procedentes da universidade espanhola onde o estudante pretende ingressar. Essa comissão dará o parecer final sobre a atribuição das bolsas de estudo. A distribuição das bolsas por país seguirá os critérios da política de cooperação exterior espanhola e os selecionados terão 30 dias para apresentar ao programa os documentos requeridos a partir da data de comunicação de sua seleção.
As solicitações passam por pré-seleção que avaliará essencialmente o projeto de estudos e sua aplicabilidade e a motivação, os méritos acadêmicos, a experiência profissional, o currículo e as cartas de referência do candidato. As solicitações pré-selecionadas passam por uma Comissão de Avaliação que contará com a participação de conceituados especialistas procedentes da universidade espanhola onde o estudante pretende ingressar. Essa comissão dará o parecer final sobre a atribuição das bolsas de estudo. A distribuição das bolsas por país seguirá os critérios da política de cooperação exterior espanhola e os selecionados terão 30 dias para apresentar ao programa os documentos requeridos a partir da data de comunicação de sua seleção.
Obrigações dos bolsistas
Os bolsistas devem comunicar a aceitação expressa da bolsa por correio eletrônico à AECI e apresentar-se ao responsável do Escritório de Relações Internacionais ou departamento equivalente na instituição de Ensino Superior de destino. É da responsabilidade dos aprovados a obtenção dos vistos exigidos para poder entrar e residir legalmente na Espanha (clique aqui para obter mais informações - em espanhol) e o cumprimento das regras impostas no edital do programa.
O programa
O Becas MAEC é oferecido, anualmente, pelo MAEC-AECI (Ministério de Assuntos Exteriores e de Cooperação- Agência Espanhola de Cooperação Internacional) e utilizado pelo governo espanhol como instrumento de política de cooperação para os países que recebem, oficialmente, ajuda para seu desenvolvimento. Desta forma, tem se consolidado como o principal instrumento de promoção das relações culturais e científicas entre a Espanha e o resto do mundo. Além disso, os estudos de pós-graduação em instituições espanholas (doutorado, tese doutoral, pós-doutorado, pesquisa e especialização) destinam-se ao aperfeiçoamento lingüístico e cultura do espanhol de estrangeiros e os estudos europeus contribuem para a formação e para a ampliação de estudos de espanhóis. A cada ano, o Becas MAEC estabelece uma relação de programas de cursos oferecidos pela convocação que devem ser escolhidos pelos candidatos.
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